A transição de júnior para sénior - Luís Vilar

  "Um dos períodos mais críticos da carreira de um jogador de futebol é a transição de júnior para sénior, quando este tem aproximadamente 18 anos de idade. Esta fase é demarcada pelo facto do jogador deixar de competir num escalão etário e passar a jogar num escalão sem idade limite, marcado por um conjunto específico de exigências que põem à prova o equilíbrio do jogador. 


  Estas exigências são de natureza física (maior velocidade, força e capacidade de recuperar), técnica (maior velocidade de execução) e táctica (maior velocidade de decisão e conhecimento do jogo). Porém, as maiores exigências são de natureza psicossocial. Um treinador inglês reporta que «uma das maiores exigências prende-se com a interação com os adeptos. Se o jogador não é bem aceite desde inicio vai ter problemas em conquistar espaço, mas se acontece o contrário, o jogador pode sair largamente beneficiado».

  Acomodar a transição requer um equilíbrio dinâmico entre os recursos (R) e as exigências (E) da transição. Investigadores analisaram o destino dos jogadores juniores campões de Inglaterra nos 5 anos conseguintes à transição, concluindo que apenas 17% torna-se profissional, 31% compete em ligas amadoras, 27% apresenta um rendimento irregular e 24% desiste da prática do futebol. Ou seja, considerando apenas a elite dos jogadores de juniores, existem mais jogadores que desistem do futebol do que aqueles que se tornam profissionais.

  Este processo é consubstanciado fundamentalmente em três fases: (i) o desenvolvimento da identidade de um jogador, em que a crença do jogador de que irá torna-se profissional de futebol é alimentada (desde os 10 anos de idade) pelo sucesso na prática de futebol reconhecido por si próprio, companheiros e adversários, família e amigos, e até treinadores profissionais. Em seguida surge (ii) a perda de identidade, determinada quase sempre numa reunião com o clube. Esta provoca sentimentos de choque, ansiedade, humilhação, fúria e desespero e acaba com a admiração colectiva dos outros, provocando um sentimento de falhanço e humilhação. Por último, surge a (iii) reconstrução da identidade, em que os jogadores procuram encontrar um sentido de vida nunca antes equacionado. É nesta etapa que os jogadores percebem quanto o seu envolvimento no futebol controlou as suas vidas, e manifestam dificuldade em ver jogos de futebol, estando presente um sentimento de inveja.

  Alguns dos melhores clubes do mundo tentam prevenir esta situação promovendo, entre outras medidas, uma comunicação integrada entre treinadores, psicólogo, jogador e família, onde são discutidas as exigências do período de transição. Um estudo efectuado na Premier League, comparou os resultados desta transição entre clubes com boas e más práticas. Os resultados demonstram que no clube que promove esta comunicação, a percentagem de jogadores juniores que assinaram contrato e jogaram nos 5 anos conseguintes foi de 36%, sendo que no clube sem comunicação foi apenas de 12%; no clube com boas práticas, apenas de 25% dos jogadores dispensados abandonaram o futebol profissional, sendo que no outro clube foi de 72%. O mais surpreendente é que o clube com boas práticas investe menos na formação (450.000€ vs. 520.000€) e obtém uma receita maior com a venda de jogadores da formação (3.460.000€ vs. 1.342.000€).

  A crise na transição de júnior para sénior parece não ser demarcada por um momento singular no tempo, mas por um período alargado no tempo. As consequências de más práticas podem ter implicações negativas não só para o futebol, mas para a sociedade em geral. Prevenir as mesmas, não é uma questão de dinheiro mas sim de conhecimento e formação."

Luís Vilar
Investigador e Coordenador de Desporto da Universidade Europeia

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