Periodização do treino de jovens no futebol: O indivíduo para além do processo!

  No futebol de formação, a aprendizagem do jogo, nas suas dimensões técnica, tática e estratégica, não é um processo de curto prazo. A aquisição e o aperfeiçoamento das ações técnicas, o desenvolvimento do raciocínio tático e a vivência dos condicionalismos estratégicos devem ocorrer por etapas, evitando as mais que habituais pressões exteriores de “executar rápido, bem, aqui e agora”. A crença no imediatismo gera usualmente insucesso; o insucesso conduz à saturação; a saturação culmina na desistência e no abandono precoces do processo de treino e competição (Stafford, 2005).

  Uma vez que o jogo de futebol tem por base uma estrutura de rendimento complexa, é natural que as crianças/jovens sejam submetidos a situações de jogo ou competição exigentes dos pontos de vista físico, cognitivo e emocional. Contudo, as exigências que são colocadas aos miúdos devem ser muito bem equacionadas e geridas pelos treinadores. Um contexto de pouca exigência não estimula o desenvolvimento das competências dos jovens praticantes; por outro lado, um contexto de elevada exigência, sempre no limite, tende a desrespeitar os processos biológicos de crescimento e maturação dos indivíduos, levando à inevitável saturação. Deste modo, uma conveniente periodização do treino por parte do treinador pode acautelar situações de desistência e potenciar os efeitos formativos decorrentes da prática numa perspetiva a médio/longo prazo.

  Neste âmbito, é consensual entre especialistas a existência de alguns cuidados a ter na seleção do padrão de periodização a adotar no treino de crianças/jovens. Tomemos em consideração os seguintes:

1º - O modelo de periodização deve ser adaptado à vida escolar (Matveiev, 1982, Tschiene, 1983, citados por Mota, 1988; Stafford, 2005), bem como à vida familiar da criança/jovem (Stafford, 2005). A grande maioria dos jovens praticantes de futebol no nosso país não está inserida em academias profissionais de futebol. Para além disso, a percentagem de jogadores que atingem o alto rendimento é irrisória. Enquanto agentes formadores de cidadãos, os treinadores não devem ignorar esta realidade;

2º - O que está em causa não é propriamente o rendimento, mas sim a criação dos pressupostos desse rendimento (Mota, 1988; Stafford, 2005; Martin et al., 2008); logo, a criança/jovem não precisa, ao longo do ciclo anual, de atingir picos ou níveis otimizados de forma desportiva (Tschiene, 1983, Weineck, 1983 e Carvalho, 1985, citados por Mota, 1988);

3º - No período preparatório (pré-época), o objetivo do treino não é tentar o desenvolvimento da forma desportiva que serve para vencer o campeonato, porque o preço a pagar será uma perda de motivação por parte do jovem praticante (Tschiene, 1983, citado por Mota, 1988; Seirul-lo, 1998);

4º - A alta intensidade associada a exercícios específicos e/ou gerais, por motivos biológicos, pode ser nefasta nos níveis base de formação, visto o fator técnica ainda se apresentar pouco consolidado, surgindo a possibilidade de reter o erro. Nestes escalões, a base de um nível futuro elevado de rendimento deve ser lançada através da dominância do incremento do volume (tempo de treino), não por intermédio do aumento da intensidade (Tschiene, 1983, citado por Mota, 1988; Stafford, 2005; Martin et al., 2008);

5º - O macrociclo anual (época desportiva) pode ser subdivido numa periodização tripla (três períodos), uma vez que oferece possibilidades de organização favoráveis para um processamento variado do ciclo anual, o que vem ao encontro dos interesses escolares das crianças/jovens (Lewin, 1978, Barbanti, 1979, Raposo, 1979, Berger, 1981 e Freitag, 1982, citados por Mota, 1988);

6º - É benéfico alterar o tipo ou algumas particularidades da periodização de época para época, de modo a fomentar a adaptação a novas estruturas de treino e a estímulos diversificados, em consonância com as exigências e as necessidades próprias de cada praticante e da competição (Stafford, 2005);

7º - Nos períodos de férias escolares, deve-se propiciar intervalos profiláticos, que providenciem a recuperação e a regeneração necessárias a jovens praticantes em desenvolvimento (Tschiene, 1983, citado por Mota, 1988; Stafford, 2005). Posto isto, será a frequência regular dos habituais torneios de Natal, Carnaval e Páscoa realmente benéfica para o desenvolvimento integral das crianças/jovens? Não serão estes torneios suplementares um fator de saturação para os jovens e para as respetivas famílias?


  Um modelo de periodização assente nestas recomendações está especialmente ajustado às culturas ocidentais, até pela sua adequação à realidade no que diz respeito à matriz de estrutura social vigente. Em síntese, um modelo que se enquadre nos estilos de vida das crianças/jovens e das respetivas famílias é um modelo mais centrado e adaptado ao praticante, o que, em última instância, concorre para uma rentabilização e otimização do processo de formação desportiva e cívica através desta nossa modalidade: o futebol.

Revista AF Algarve (n.º 75, Outubro / Novembro 2013)

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