O futebol português em mudança: O treinador e um futuro sustentável - Parte I
O futebol português, tal como a sociedade em geral, está a mudar de paradigma! Este sinal da evolução dos tempos obriga a reflexões, adaptações e mudanças eventuais de rumo. Passivos galopantes, a conjuntura económico-financeira, o fair-play financeiro imposto pela UEFA, demasiados estrangeiros no nosso futebol, entre outras causas, forçam os clubes a rever e racionalizar os seus orçamentos. Isto acarretará consequências, pois os clubes, profissionais ou não, terão de repensar os seus projectos desportivos.
Os clubes serão obrigados a buscar soluções financeiras para suportar os seus projectos. Sem recursos, naturalmente que a qualidade global dos plantéis vai decrescer e a qualidade geral no nosso futebol vai diminuir, colocando até em risco a nossa capacidade de competir internacionalmente com o mesmo nível de exigência, seja através dos clubes, que realmente têm feito resultados miraculosos, seja através da selecção, que nos habituou a competir com as demais, e que aos poucos vai tendo cada vez mais dificuldades em se impor no topo da exigente cena internacional.
Os melhores e mais talentosos jogadores do nosso futebol, sejam eles nacionais ou estrangeiros, são aliciados a sair para outras paragens, onde auferirão de melhores condições contratuais. Os clubes envolvidos na indústria terão de encetar novas soluções: reajustar ou mesmo alterar as suas políticas desportivas; ir em busca do talento, a preços mais apelativos e em diferentes regiões do globo, definindo novos mercados de prospecção e recrutamento; desenvolver academias de formação, onde possam “produzir” os seus próprios futebolistas; promover parcerias e joint-ventures, etc.
Alguns clubes já saíram de cena, outros, apesar das dificuldades, resistem… Comum a todos: adaptação e evolução. Devido à situação actual e à tendência para o agravamento da crise económica, hoje mais do que nunca, faz todo o sentido afirmar que o futuro está na criação e implementação de academias de formação de jovens futebolistas.
Creio ser este o factor crítico de sucesso da maioria dos clubes, seja qual for a sua dimensão! Só importa saber onde queremos ir e qual a ambição que temos para lá chegar. Sejam quais forem os intervenientes ou veículos de mudança, no que toca aos treinadores e ao seu know-how, estou optimista quanto ao futuro, pois estes dominam, melhor que todos os outros agentes, todas as vertentes desta indústria tão exigente e competitiva!
Bem sei que no futebol, as acções e medidas de curto-prazo são norma e há uma enorme pressão para a obtenção de resultados imediatos, no entanto, para que a qualidade se demonstre a cada jogo, há que ter uma abordagem sustentável para o futuro. Os treinadores desempenharão aqui um papel decisivo, mas há que ter paciência.
A Associação Europeia de Clubes publicou há pouco tempo um relatório, que julgo ser importante, pois faculta-nos um olhar sobre a realidade da formação nos clubes europeus de topo e dá a conhecer as tendências nesta área.
Mais do que ver a formação como um negócio rentável para os clubes, pessoalmente acho que esta deverá ser encarada, acima de tudo, com paixão e sentimento! Alguns clubes terão mais recursos ao seu dispor, mas isso não chega.
Como fazê-lo? Haverá muitos caminhos possíveis neste aspecto e não existe uma única fórmula exequível. Cada clube terá de definir os seus valores, missão, filosofia e visão de forma a produzir talentos para o futebol profissional, mas acima de tudo é uma questão de crença, perseverança e capacidade.
De forma a trilhar este caminho, há que ter em conta factores básicos para a concretização dos projectos: factor político – deve existir uma vontade obstinada, decisão e compromissos políticos de o realizar; factor económico – que seja rentável desportiva e economicamente; factor organizacional – que exista uma organização e pessoal qualificado; factor técnico – disponibilidade de usar e aplicar a tecnologia e os recursos necessários para a sua realização; factor sociocultural – consenso social e alinhamento por parte de todos os sectores envolvidos num espírito colectivo de missão; factor temporal – ter consciência de que os resultados práticos de um programa de formação deste tipo requerem tempo e paciência para esperar pelo retorno do investimento.
Creio que uma política realista e adequada, uma visão inspiradora e uma filosofia são importantes, mas como afirmou Roberto Samaden, chefe do departamento técnico do Inter de Milão, referindo-se ao papel dos treinadores na Academia do seu clube: “Os treinadores estão a fazer a diferença!” Na realidade, o treinador e o staff técnico terão um papel fulcral no desenvolvimento e implementação de qualquer programa de “produção” de futebolistas, mas acima de tudo no processo de treino e na criação de um ambiente estimulante de aprendizagem.
João Carlos Pereira
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